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Albinismo no horário nobre

No pátio da escola garotos se divertem jogando futebol, mais afastado, isolado dos demais está Cristian sentado lanchando, quando um dos garotos que jogava se aproxima dele, e provoca: não o chama pelo nome, mas de “barata descascada”, em desdém a sua cor; não contente ele ainda avança e toma o suco de Cristian, que fica sem reação; ele então fica de costas e chora. Quando uma professora percebe seu mal-estar, e procura saber o que houve, ele desconversa, não diz a verdade.

Esta é a descrição (em parte), de uma cena da novela global “Terra e Paixão”, de Walcyr Carrasco, que estar no ar com um time de peso: Tony Ramos, Glória Pires, Susana Vieira, Cauã Reymond, Barbara Reis, Johnny Massaro, Rainer Cadete, Tatá Werneck e grande elenco, e que de forma inédita apresenta a questão do albinismo através da personagem Cristian (Felipe Melquiades), que na trama é filho de Lucinda (Débora Falabella) e Andrade (Ângelo Antônio).

Autor de grandes sucessos, como: Chocolate com Pimenta (2003), que o público rever atualmente na faixa da tarde, Caras e Bocas (2009), Amor a Vida (2013), Verdades Secretas (2015), com direito a uma segunda temporada em 2021, Walcyr Carrasco surpreende a audiência com a abordagem do albinismo numa telenovela. Na trama, o autor mostra que pessoas com albinismo são alvo de preconceito, por serem diferentes; cenas de bullying, contra Cristian mostradas na novela, são de fato a vida real de crianças que nascem com albinismo. Contudo, são ponderadas revelando uma direção artística, bastante cuidadosa de Luiz Henrique Rios, e por outro lado toda a sensibilidade, do ator mirim Felipe Melquiades, em seu primeiro trabalho na TV.

E por isso, mais aplausos para o mestre da dramaturgia Walcyr Carrasco, que marca mais um golaço, pois falar do preconceito às pessoas com albinismo no horário nobre, a partir da narrativa de uma novela das nove, faz toda a diferença para essa população no país, pois até então as poucas aparições de albinos no audiovisual foram pejorativas. Com a novela não. A ideia é realmente mostrar, o quão a sociedade não enxerga as pessoas com albinismo, e como o bullying é devastador, porque causa danos ao comportamento de crianças e jovens albinos, que crescem numa sociedade intolerante, e incapaz de se reeducar para conviver com as diferenças.

Ser uma pessoa com albinismo (como esta cronista também) em qualquer meio social, é algo que causa muita estranheza aos demais, e a partir disso é fácil se tornar alvo de muito preconceito e intolerância. Assim, a abordagem da novela vem contribuir para iluminar a compreensão da sociedade, e promover visibilidade para essa população, seus problemas, necessidades, os albinos enfim, se sentirão bem representados na ficção brasileira. A novela ainda, poderá provocar questionamentos importantes como, por exemplo, o fato de não haver estatísticas oficiais sobre a população albina no Brasil, e nem o próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fazer alguma referência em seus questionários.

Assim, sem dados oficiais, o estado não consegue ver a população albina, e por consequência não políticas públicas que beneficiem esse grupo. Então, de forma geral, é a família e sua rede de proteção que atuam para que as crianças albinas, possam ter acesso ao mundo, apoio à saúde, atendimento às suas necessidades educacionais e conquista de oportunidades; o amor e o carinho da família são essenciais no processo de socialização, acompanhamento de crianças albinas, e do combate ao preconceito.

Então, é importante que a sociedade compreenda que o albinismo é uma condição genética, que se caracteriza pela ausência de melanina, pigmento que dar cor a pele, cabelos, pelos e olhos. Desse modo, somos realmente sensíveis ao sol, à claridade, usamos roupas de mangas compridas (mesmo no calor do meio norte), é comum albinos terem baixa visão, usar óculos, lupa, ou seja, é preciso ter maiores cuidados com a saúde, mas seguimos a vida como ela é, nem sempre cor de rosa, mas buscando o próprio espaço, superando dificuldades, preconceitos, como qualquer outro grupo social. E mais uma informação caro leitor, o albinismo é realmente mais frequente entre a população afrodescendente, mas também pode ocorrer em qualquer outra etnia.

Portanto, nunca é tarde para começar, e a chave da mudança é conhecimento, educação, e neste caso reeducação para conviver com as diferenças (qualquer que seja ela), pois o mundo é bem melhor assim, colorido, diverso, autêntico, plural. Assim, o dia 13/06 (que é dedicado a Santo Antônio, no Brasil) também é marcado como o Dia Internacional de Conscientização do Albinismo, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2014, para provocar reflexão, combater o preconceito e anular estigmas, sobre esse grupo.

Desse modo, o Brasil que adora uma novela, tem agora por meio de uma narrativa de ficção acesso ao tema, pois ver o albinismo pautado na novela das nove despertará a sociedade para a mudança de olhar. E a população com albinismo, finalmente ganha uma ampla, positiva e necessária visibilidade no país. Então, é garantir lugar no sofá depois do Jornal Nacional, ou acessar o notebook, celular quando, onde quiser e acompanhar esse novelão. “… O amor é feito de paixões/E quando perde a razão/Não sabe quem vai machucar/Quem ama nunca sente medo/De contar os seus segredos/Sinônimo de amor é amar…”

Angely Costa

Professora Bibliotecária Escritora

Pós-Graduada em Literatura, Estudos Culturais e outras Linguagens

Artigo: Jornal O Dia – Teresina – PI

Data: 19/06/2023

13 de junho – Dia Internacional de Conscientização do Albinismo